william gibson é um fabuloso criador de personagens e de conceitos. em Idoru, colin laney tem uma espécie de poder especial: ele tria os rastos de informação deixados por pessoas-alvo no mundo digital e, através de um complexo processo de intuição nodal, tenta prever o que elas farão de seguida. basicamente, ele reconhece e analisa de forma quase subconsciente os padrões de informação (objectiva) que certa pessoa emite - quando compra qualquer coisa online, por exemplo -, delineando um comportamento potencial. a sua habilidade é única e exige muitas horas de concentração. isto era gibson a pensar em 1996. ele agora escreve mais sobre o que se passa à sua volta, 20 minutos no futuro, mais coisa menos coisa. the future has caught up with william gibson, dizia-se a propósito da sua mais recente oeuvre. no caso que me interessa agora, o futuro desmultiplicou o seu herói em milhões de twitterers, flickerers e facebookers de um modo bem menos interessante do ponto de vista literário, mas infinitamente mais rico duma perspectiva antropológica, pois os rastos deixaram de ser meramente objectivos para serem quase totalmente subjectivos. este artigo notável de clive thompson fala-nos justamente da nova "ambient awareness", a mera percepção no limite do nosso campo cognitivo activo do que se está a passar com "todos" os nossos "amigos", na soma de milhares de "instantâneos" em fluxo constante. naturalmente que se trata de um espelho de dois sentidos, e se podemos observar tudo o que acontece com os outros (o tudo que nos estão a revelar), eles também nos podem ver de volta - e é bom que sejamos sempre os primeiros a emitir informação sobre a nossa pessoa, sob o risco de os "outros" o fazerem por nós, por exemplo. uma vez online, para sempre online. e uma vez online, o offline muda inexoravelmente. dantes, se uma pessoa se aproximava de um grupo de amigos e lhes contava uma anedota nova (que tivesse alguma graça, vamos), era valorizado por isso, trazia algo para o grupo; agora, uma pessoa aproxima-se de um grupo que já está a comentar a anedota que circula por entre a sua intranet social e se a pessoa não a conhece/leu/recebeu o feed, sente-se de fora, à parte - é o grupo que lhe traz algo de novo a ela, que a integra no colectivo. isto faz-me lembrar os Borg, desculpem. mas é um admirável mundo novo, como refere a peça. é agora, finalmente, que a internet se torna na aldeia. é agora, finalmente, que o social networking funciona em pleno, pois permite uma vida social activa a quem nunca a teria de outra maneira. é agora que a internet se demarca mais claramente em termos etários: os mais novos a controlar-se regularmente, os mais velhos a controlá-los e a evitarem ser controlados. é agora que a internet se transforma num instrumento de pesquisa de marketing realmente eficaz, com a possibilidade de sondagens e análises mais pormenorizadas dos gostos e tendências dos mais novos, permitindo uma nova net paga. é agora que todos os medos sobre o big brother se diluem e se concentram paradoxalmente: toda a gente que nos "conhece" ("segue" é mais correcto, e uma expressão bem mais vagamente sinistra) é nosso irmão agora, vivemos uma vida vigiada e portanto comentada e/ou julgada - e somos nós próprios a dar essas informações voluntariamente, não é o máximo? é agora que todas as máscaras caem e que a internet se emancipa, vira adulta, após todos aqueles chats anónimos. é agora que descobrimos que mentimos, não só aos "conhecidos" (centenas, milhares) como aos nossos próprios amigos (dezenas, uns poucos, dois).
se todo o mundo é um palco, então toda a gente é actor e espectador. ninguém quer estar sob as luzes da ribalta o tempo todo (sobretudo quando esse tempo inclui o passado). a obsessão sobre saber-se sempre tudo sobre os outros e a auto-consciência temporizada (para benefício, mais uma vez, dos outros) leva à demanda pela solidão seleccionada (alguns, às vezes). mais uma vez, Silêncio e Sombra.