linguagem máquina

quando nos atemos a um critério de descrição meramente funcional, a tendência é de subtrairmos o quociente valorativo ou subjectivo da acção ou objecto em causa. isto é especialmente verdade no caso de instruções ou processos técnicos, nos quais não têm lugar quaisquer considerações não-objectivas, permitindo o máximo de eficiência na comunicação (ao nível da quantidade e da rapidez da informação transmitida), sem perda de "energia". o exemplo mais apurado é a chamada linguagem máquina utilizada para "falar" com computadores (que se sabe terem relativamente pouca sensibilidade às nuances, por enquanto). fora desses casos mais estritos, contudo, a linguagem está pejada de factores emocionais, situacionais, simbólicos e subjectivos em geral, onde o píncaro pode ser atingido na poesia. ora, a língua inglesa é especialmente propícia a estes desvios linguísticos, graças à sua capacidade aglutinadora (gulosa, mesmo) e remisturadora de meias-expressões, que depois transforma em expressões completas novas (os phrasal verbs, por exemplo). assim, o inglês consegue "despir" uma descrição com extrema eficácia, removendo-lhe a roupagem emocional e deixando apenas ficar as indicações-máquina impessoalmente descritivas das várias funções em causa. a faceta mais visível desta possibilidade denomina-se linguagem "politicamente correcta", em que as referências directas "populares" ou recebidas historicamente na língua de forma natural foram sendo substituídas por alternativas mecanicistas e assexuadas (literalmente) para evitar qualquer conotação potencialmente ofensiva (definida por parâmetros e para fins desconhecidos por nós). desta forma, um livro deixou de ser vandalizado, para passar a ser enhanced by a contemporary expression of angst. uma morte equivale a um negative patient care outcome. uma pessoa aborrecida é apenas charm-free e se for preguiçosa é, coitada, motivationally dispossessed. lembremos que uma bomba não é mais que um vertically deployed antipersonnel device, o que é útil em relatórios de situações de guerra.
tudo isto vem a propósito de uma expressão usada por representantes da google aquando da recente fusão com a doubleclick, em que se anunciavam as primeiras decisões de despedimentos da empresa. os visados seriam cerca de 300 funcionários da doubleclick e a expressão usada foi
"as with many mergers, this review has resulted in a reduction in head-count at the acquired company."a situação tradicionalmente descrita como "despedimento colectivo" é assim tratada como uma mera reduction in head-count, expressão numérica que efectivamente despersonaliza o evento, para mais como se fosse o mero resultado automático (e inevitável) de uma operação da tal "review". o politicamente correcto deixou de ser tão engraçado quando se tornou o newspeak das novas forças económicas, que estão a usar a linguagem para manipular a informação (a real), despindo-a de conotações humanizantes (e/ou sexuais, emotivas, ou outras que possam provocar estados mentais autónomos), como se estivessem a tratar com autómatos reality-impaired. ou seja, connosco. e para isso, nada melhor que a linguagem máquina do inglês, língua franca da rede, que tudo liga e tudo prende. atenção por isso à cognitive accommodation de que poderemos estar a ser alvo.



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