ler ou não ler, eis a questão

a propósito deste artigo do nyt sobre a cada vez mais premente questão da relação entre leitura e internet, duas ideias luziram no meu espírito obscurecido (certamente ainda pelo cavaleiro das trevas): a primeira tem a ver com a percepção da net como um local onde essencialmente se fala, não onde se escreve; a segunda toca na ferida quando se refere que os mais jovens estão a interagir com o mundo, a comunicar, sem ser exclusivamente através da linguagem.
está toda a gente muito preocupada com a questão da leitura - que não me parece em perigo -, mas eu gostaria de mudar ligeiramente o foco para o outro lado da página, para o lado do autor - é normal que não se queira ler textos muito longos na net por prazer, ela ainda não está configurada como ferramenta para isso por enquanto; o que já não é tão normal é não haver aparentemente nenhuma reacção por parte dos produtores de conteúdo para o aspecto de o meio ser hoje literalmente a mensagem. ou seja, a grande transformação terá de vir deles, dos autores; o conceito de "conteúdo" tem de ser alterado, adaptado às novas plataformas (mesmo na leitura hedonista); o conceito actual de "livro" também. como diz um adolescente americano que passa o tempo na net, {“The Web is more about a conversation,” he said. “Books are more one-way.”}
depois, a questão fascinante não é propriamente a da leitura, mas sim a da linguagem. estamos a assistir ao lento mas inexorável destronar da linguagem (e dos livros stricto sensu) como forma suprema de lidar e interagir com a realidade. o que até agora operava em quase exclusivo através da Arte - o deixar o subconsciente absorver e lidar com o fluxo do real sem interferência de processos racionais, por exemplo - está a decantar-se para o grande meio de comunicação universal e assim a permear a consciência global - o mundo está a deixar de ser uma construcão mental para ser acedido directamente através do som e da imagem. citação de apoio: {Some literacy experts say that reading itself should be redefined. Interpreting videos or pictures, they say, may be as important a skill as analyzing a novel or a poem.“Kids are using sound and images so they have a world of ideas to put together that aren’t necessarily language oriented,” said Donna E. Alvermann, a professor of language and literacy education at the University of Georgia. “Books aren’t out of the picture, but they’re only one way of experiencing information in the world today.”} a estupefacção desta ideia tão simples e óbvia é apenas uma reacção à longa herança histórica das sucessivas políticas de educação societárias da Humanidade, que foram impondo um sistema de castas intelectuais com efectivo poder secular (já há muito tempo que informação é poder) ao abstractizar a relação entre o homem e o seu ambiente. a culpa não é da filosofia, mas da política, a chamada mais nobre das ciências humanas. sem querer (ou poder) ir mais fundo, direi apenas que vivemos tempos fascinantes de mudança e que as novas gerações já estão a ser equipadas para lidar com a(s) sua(s) realidade(s), não necessariamente através da internet, mas através do que a internet já possibilitou, já desencadeou nos seus processos mentais. a internet é/foi/será a emancipadora das cabeças dos miúdos e miúdas que vão gerir esta coisa. só por isso já valeu a pena.

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