a idade média
nós, os que vivemos na idade média, temos a presunção de pensar que a vida a sério começa e acaba com ela. a infância e primeira juventude apenas se tratariam de estádios preparatórios e experimentais para o período de plenitude física e mental que nos define, nos dá nome e forma, nos orgulha. a partir de certa idade, tudo parece tarde demais, pesado demais, longe demais - ficaríamos como que atolados a meio da selva de possibilidades, cientes que já só veremos a copa das árvores cá de baixo. ora cada vez mais este elitismo etário me parece deficiente e deficitário. convenço-me um bocadinho mais todos os dias que a infância é a real idade da sabedoria, da empatia, da harmonia consigo mesmo e com o mundo. desconfio assaz que as crianças já sabem tudo - mas disfarçam bem. a memória é mais quântica do que julgamos e se calhar viaja para trás no tempo, não nos acompanha sempre necessariamente. e os mais jovens sabem cada vez maior e mais depressa. se calhar, devíamos todos morrer em criança. nunca chegarmos a mais velhos, nunca perdermos o tino e a razão - que voltamos a vislumbrar quando estamos muito mais longe do local onde nascemos. por sorte/desígnio, a idade que se segue comunga em quase tudo com a primeira, com a inexcedível vantagem de ver acrescentado o sentido de humor - o verdadeiro trunfo de quando se é velho. cada dia demora o mesmo tempo a passar quando se é novo ou velho. e no entanto, nunca é assim que ele é percebido - uma voragem amnésica inicial e depois uma estase que se dobra sobre si mesma até desaparecermos. julgo que somos irmãos, tanto dos mais novos como dos menos novos. devemos tanto tudo a uns como a outros. devemos respeito, solidariedade e compaixão. e devemos saber divertir-nos com ambos a fruir a nossa percepção da existência. deixemo-nos de condescendências. de hipocrisias. muita gente da idade média odeia - odeia - tanto jovens como velhos. normalmente por medo, muitas vezes por estar distraído com acontecimentos prementes e inconsequentes. mas o terror e a ignorância sempre floresceram nas idades das trevas.
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1 comentário:
desde que possa aprender, esta idade média é tão boa como qualquer outra. desde que possa aprender, esta idade média é a minha idade em qualquer momento. desde que possa aprender, acredito que posso não morrer. esta idade, qualquer idade, em qualquer momento, pode ser a última idade... só que esta é serena idade mesmo quando é fogosa idade.
não lhe chamo média, chamo-lhe luz
[seria fácil (não seria?) a explicação de que seríamos perfeitos ao nascer. seria demasiada mente fácil]
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