peixes

O céu estava ainda mais alto do que era costume, por causa do azul não ser interrompido por nenhuma nuvem. O riacho corria preguiçosamente, a água transparente a fazer os pequenos ruídos que só a água fresca faz quando encontra obstáculos. À beira da sombra do sobreiro, ele estava sentado sobre uma grande pedra branca a segurar a cana de pesca com as duas mãos. Um enorme chapéu de palha redondo escondia-lhe as feições, mas os pés nus eram pálidos e tortuosos.
Quando ela chegou, não se mexeu.
- Estás a agarrar a cana com força demais. Assim os peixes não vêm.
- Porquê?
- Porque a tua tensão passa para a cana e dela para a água, e os peixes notam e fogem.
Ele fez por ignorá-la, a ela e à sua máquina fotográfica. Era um modelo relativamente antigo, que ainda usava película, mas ela tinha dito que era muito boa.
Agachou-se ao lado dele e começou a apontar a máquina em várias direcções sem disparar.
- Assim, tu é que afugentas os peixes.
- Não gostas de fotografias?
Ele encolheu os ombros. Gostava, mas não lhe apetecia dizer.
Ela sentou-se a alguma distância e virou a objectiva para ele.
- Acreditas naquela treta de as fotografias roubarem a alma às pessoas?
- Não.
- Eu também não, mas acho piada à ideia. De que a fotografia tem poder. Que tirar uma fotografia não é algo insignificante, desprezável. Apesar de se tirarem milhões de fotos todos os dias.
Ele olhou para ela, mas estava com a máquina pousada na saia, a olhar para a água.
- Acredito que tirar uma fotografia é enganar o tempo.
A sua voz era pausada.
- Como assim?
- É impossível parar o tempo, certo? Mas quando se fotografa, é como se se estivesse a congelá-lo durante um instante infinitesimal, a roubar-lhe um momento que era dele e agora é nosso.
- Pois.
Sentia-se pegajoso com o calor. Não havia outro som senão o som deles.
Depois, ela levantou-se com mais energia do que seria de supor e voltou-lhe as costas.
- O tempo, para mim, é como o teu riacho, mas cheio, cheio de peixes. Fotografar é como estar a olhar para ele e pescar um peixe de vez em quando. O riacho não pára, mas já não é exactamente o mesmo depois. Com tantos peixes que leva, ninguém nota a diferença. Mas leva um a menos.
Ele continuou a segurar a cana com força. Tinha as mãos a suar e a sensação que, se afrouxasse a pressão por pouco que fosse, ela escorregaria e seria levada pela água transparente.

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