seven


O cinema está em estado de decomposição acelerada e as partes em que se (de)compõe podem ser facilmente encontradas na Internet, sob as mais diversas formas.  As longas-metragens são realizadas e produzidas de forma cada vez mais modular, por oposição a uma unidade de forma e sentido (“o filme era fraco, mas aquela cena foi espectacular”) e todo o aparato que lhes diz respeito pode ser dividido até à exaustão, desde intervenientes a imagens específicas, a fim de melhorar a sua exposição aos media – para além de trailers, temos teasers e mesmo preview teasers, sempre mais pequenos e sempre revelando mais do que deviam. Esta febre de revelação atinge o seu auge na net, tanto a nível de conteúdos como de rumores sobre conteúdos. Todas as pessoas envolvidas numa produção podem ser focadas ou desfocadas em qualquer fase (mesmo antes de haver sequer produção) consoante as necessidades de marketing. E a Internet precisa de tema de conversa ininterrupto, é um read-show aberto 25 horas por dia e noite, onde as notícias se criam incestuosamente e se canibalizam a galope.
Há demasiados filmes. Temos assim de recorrer ao saber acumulado por outros para podermos chegar a algum tipo de juízo nós mesmos. Nos dias que correm, a Internet pode ser considerada a principal fonte oficial para se falar sobre cinema, substituindo as arcaicas revistas ou a televisão. Falar sobre cinema é substancialmente diferente de ver cinema, desde logo porque é possível discorrer longamente sobre filmes que nunca vimos. E infelizmente o tema é entendido como muito mais fértil que os objectos-fluxo que lhe dão corpo e sentido – existem muitos sites exclusivamente dedicados a assuntos “cinematográficos” que pouco ou nenhum interesse demonstram por filmes em si.
O cinema é a sua própria história e tal como as outras artes ele não é senão narrativa. Uma narrativa que atinge hoje o ocaso e cujo declínio da sua influência global coincide com o advento das comunidades em rede. “A Internet é a nova televisão”, diz David Lynch, que continua a fazer filmes, para além das experiências no seu laboratório/site. A relação entre a Internet e o cinema tem sido ambígua e marcada por equívocos e surpresas, mas eles estão juntos na aurora e crepúsculo das imagens.
A net irá salvar o cinema que interessa e a voragem de informações (embaladas por empresas de comunicação de alcance global) e opiniões (assholes, como dizia Eastwood) arrasta-nos inexoravelmente, já que nos tornámos todos em junkies de novidades e sobretudo de imagens novas (ainda há?). A actual concorrência de meios de comunicação é desleal mas vai convergir em tempo acelerado e desmultiplicar-se em míriades de plataformas móveis, cada qual com o seu ângulo específico. Neste momento o computador é o grande caldeirão de verbos e imagens, antecipando-se e sobrepondo-se à experiência cinemática. Deixemo-nos escorregar preguiçosamente por uma mão-cheia de sítios, evitando contudo as arenas de desperdício semi-verbal que dão pelo nome de fóruns.
Twitchfilm.com é elegante e o mais simpático sobre filmes independentes e de culto, dando destaque aos lançamentos asiáticos mas estendendo-se a outras partes do mundo (entre os muitos colaboradores, destacam-se dois especialistas na cinematografia turca e até um na portuguesa), pequenas mas sempre interessantes produções com temas fantásticos, incluindo curtas-metragens, sucessos de box-office de além-mar e festivais sobre all of the above.
Para pessoas sérias que apreciem o cinema japonês contemporâneo para além de filmes de terror para adolescentes (mas também os incluindo), Midnighteye.com é a sobriedade e clareza incarnadas, com críticas actualizadas, entrevistas com os realizadores, actores e técnicos mais importantes e análises fundamentadas por um gosto genuíno pelo cinema nipónico. E onde se pode igualmente encomendar um livro sobre Takashi Miike, o que é sempre bom.
Para se estar a par da actualidade americana em geral com descontração e cool, Joblo.com satisfaz plenamente, com notícias, críticas e alguns dos comentários mais descomplexados, bem-dispostos e acertados da web, uma variedade apreciável de assuntos e o duplo bónus de incluir inteiramente grátis um sub-site dedicado a filmes fantásticos e de terror  Arrow in the head- e um site irmão sobre as actrizes mais curvilíneas da actualidade – MovieHotties.  Viva o Canadá.
E depois vêm quatro sites tão históricos quanto específicos. Primeiro, o arcano Aintitcool.com, fundado pelo mega-geek Harry Knowles, que respira cinema a sério e cujo site ficou conhecido por postar notícias sobre visionamentos prévios supostamente secretos e determinar o sucesso ou funeral de vários projectos. Com um jargão algo desconcertante e uma apresentação agressiva, o site vive essencialmente à base de pequenas notícias, críticas ou rumores,  por vezes de quase pré-cognição. Exemplo: depois de ter mencionado vezes sem conta o próximo projecto de James Cameron e aventado as mais delirantes hipóteses para o tema, o próprio Cameron telefonou a Harry para o pôr a par do que se estava a passar (estavam a falar de Avatar). Knowles tornou-se uma referência, influindo activamente em argumentos de filmes, organizando o seu próprio festival independente de cinema em Austin, entrando em filmes, participando em programas de televisão, sendo amigo de realizadores e actores e até produzindo filmes de série B. Para além disto, alguns colaboradores fazem parte da indústria, estando bem posicionados para saber o que se passa e sendo geralmente bem-escreventes.
A seguir, a Imdb.com, a auto-proclamada base de dados de cinema da Internet pode tornar-se tão viciante como as notícias do dia. É sem dúvida útil – por exemplo para relembrar a carreira de humor inglês pré-House de Hugh Laurie ou exactamente quantos filmes produziu Roger Corman -, algo sobrevalorizada e com uma secção de coscuvilhices obscenas do business americano.
Para quem gosta de números e estatísticas, o Boxofficemojo.com é o mais indicado, permitindo comparar resultados entre filmes e carreiras de actores e realizadores, numa fascinante viagem no tempo e na realidade – como por exemplo quanto dinheiro fez Blade Runner quando estreou ou qual o filme mais rentável dentro do sub-género “lobisomem”. O site oferece igualmente críticas argutas das estreias mais próximas.
Finalmente, puramente em termos de imagens o Apple.com/trailers apresenta os trailers actualizados de melhor qualidade da net, ponto final. Existem muitos outros sites de trailers, mas voltamos sempre a este. Todos os dias.
Apesar de uma visita a estes locais aprazíveis – entre dezenas de possibilidades mais específicas aos gostos perversos de cada qual - possa fazer brilhar a conversação numa ocasião social elitista – com um comentário incisivo sobre a dobragem em groenlandês da mais recente animação infantil sobre a vida de Kierkegaard ou a qualidade dos efeitos especiais do segundo terço do teaser do próximo filme de retro-ficção científica baseado no diário de um discípulo de Philip K. Dick - , não se deve ignorar o valor e necessidade de leitura de ensaios sobre cinema, como os publicados na Film Comment ou até – horror! – na Cahiers du Cinéma; e naturalmente a experiência pessoal da coisa-em-si, ou seja, ir a uma sala de cinema para descobrir de que raio estamos afinal a falar.

in Umbigo #20 (2007)

Sem comentários: