t.s.

 
 
"I am moved by fancies that are curled
Around these images, and cling:
The notion of some infinitely gentle
Infinitely suffering thing."

T.S. Eliot, “Preludes, IV”

expressão



Na actual tecnosfera, a expressão configura-se cada vez mais como uma necessidade imperiosa em prejuízo de uma veleidade estética de um ego auto-confiante. Passado o assombro inicial da evidência esmagadora de um mundo real que nos pode afectar de forma aleatória e muitas vezes perigosa, foi-se instalando uma ansiedade ontológica sobre se de facto não estaremos presos na nossa própria representação do mundo – ou seja, se alguma vez seremos capazes de conhecer o mundo, para além do filtro necessário que constitui a nossa mente ou túnel de realidade. Muitas vezes sentimos que herdámos uma cabeça maior do que o mundo que nos rodeia (aparentemente), mas talvez o mundo seja mesmo mais vasto do que supomos. Como estamos a receber feedback a cada momento, tendemos a responder-lhe, através de uma recriação do universo que faça sentido para nós, consubstanciada quer em narrativas (daí a necessidade das ficções, outros tantos reais que se desdobram em miríades de labirintos que se bifurcam sem cessar), quer no que se pode denominar expressão artística, um diário dos sentidos. Ou seja, a expressão poderia construir-se simultaneamente como uma resposta e uma pergunta ao mundo, uma afirmação e um questionar permanente sobre a interacção que estabelecemos com o que nos rodeia. Ela é filha de uma tríade de necessidades: a da construção de uma identidade; a do reconhecimento da ideia de outro, como recipiente ou eco; e a da afirmação engravidada por um conteúdo significativo, ou seja, não basta dizer “estou aqui” ou “sou assim”, como o mero choro de uma criança, mas sim corporizar no mundo, no exterior, a assinatura única de uma emoção estética, de um acrescentar-se ao mundo com(o) um acto(r) feito de informação pura (o algo que não havia antes de si).
Ao exprimirmo-nos, mais do que tentarmos definir a nossa geo-localização no mapa mental de dois labirintos invisíveis – o do aparente real que nos toca e o simplesmente dos outros – estaremos a tentar cumprir a impossível demanda de ligar esse mesmo mapa ao território, que, recordemo-lo, não se confundem. Movemo-nos às cegas e vamos de encontro a algo, ou algo vem de encontro a nós. Ao nos apercebermos que existem outros, a urgência de uma identidade própria ganha a proporção de uma luta pela sobrevivência contra o redemoinho da uniformidade ou mesmo do anonimato avassalador. Temos medo de ser iguais, mas mais medo ainda de não contarmos, da insustentável leveza da nossa irrelevância, na voragem ou espuma dos dias. A procura da identidade, dos referentes que nos fazem dar um passo em frente na chamada do DNA, não constitui no entanto um fim em si mesmo, mas tão somente uma forma de estabelecer um chão de onde possamos pular na execução de um acto que agregue informação ao mundo – dos outros – e nos consiga apaziguar – mesmo que momentaneamente apenas – na ansiedade de ser. Por outras palavras, a identidade é um ponto de partida para fazermos qualquer coisa, não um ponto de chegada de uma série de sessões de psicoterapia patrocinadas pela insegurança. A questão é o que fazer connosco próprios, como nos tornarmos uma mais-valia – e sobretudo como e quem poderá servir de juiz ou crítico sobre tal propósito – a Arte pode continuar a existir sem críticos? É a avaliação da Arte o seu sustento ou o seu espartilho? Em última análise, exprimirmo-nos para quê? Que valor atribuir ao acto? Se todos se exprimem, então qual o sentido da expressão individual de cada um? Somos todos únicos, afinal. Estas questões são tão válidas como irrelevantes, dado que a expressão não nasce de uma escolha consciente, mas de uma pulsão visceral; nem advém necessariamente da linguagem, que constitui amiúde um entrave para a plena expressão artística, que bebe directamente do subconsciente. A pureza do acto criativo implica o silêncio do mundo, do burburinho constante da Razão a discutir consigo própria, eternamente incrédula perante um real que não consegue conformar sozinha. Assistimos aliás ao lento mas inexorável destronar da linguagem (e dos livros stricto sensu) como forma suprema de lidar e interagir com a realidade. O que até agora operava em quase exclusivo através da Arte – o deixar o subconsciente absorver e lidar com o fluxo do real sem a interferência de processos racionais, por exemplo – está a decantar-se para o grande meio de comunicação universal (a Internet, o meio natural de expressão actual, onde por enquanto apenas se fala, mas progressivamente se começa a escrever, desenhar, pintar, esculpir, animar, mostrar, pensar também) e assim a permear a consciência global – o mundo está a deixar de ser uma construção mental para ser acedido directamente através do som e da imagem, vectores de conhecimento tão válidos como as palavras. A Arte torna-se a grande interface com o conhecimento. E a expressão artística a sua gramática natural, a tradução dos sentimentos mais vitais que participam em vários graus na orgia da informação. Raiva, euforia, tristeza, compaixão. Sempre uma luta contra o medo, de cuja sombra não conseguimos nunca escapar, e uma manifestação do desejo, ou cobiça do ser, as duas forças primevas que nos movem. Queremos ser nós próprios (seja lá o que isso for, sob que forma for) num primeiro momento, mas queremos ser algo para o outro também (queremos o outro). Ser para eventualmente ter. A musa que inspira o artista é objecto de desejo paralelamente a ser dínamo de expressão. Esta constitui a suposta ponte entre um interior e outro interior, através do exterior – obrigatoriamente, também uma exposição, pois não nos podemos exprimir nesse sentido no espaço estrito do nosso palco íntimo. Trata-se de um grito as mais das vezes sem destinatário, apenas vivendo como condição necessária e suficiente da possibilidade de haver um. A expressão não deixa de ser uma marca de solidão. Não temos um corpo, somos um corpo. Limitados por essa fronteira, assombrados pela infinidade do que não é humano, procuramos propagar-nos como um fogo essencial alimentado pela febre do desejo, contrariando a nossa noção de fim. Exprimir-se é enganar a morte, desejar é a base do humano. E o desejo reage à beleza, não à verdade. Pois não é a vertigem da beleza que nos revela o abismo à beira do qual nos encontramos de olhos vendados pela verdade? E não é precisamente a beleza a musa da expressão? Se a nossa experiência constitui ou não uma soma ou uma subtracção de nós com o mundo, tal não é relevante, em última análise. Estamos todos sós, com os nossos órgãos internos e as nossas reacções químicas no cérebro, sujeitos à aleatoriedade das sinapses e aos efeitos das hormonas e ao nível de açúcar no sangue e com os sonhos de que não nos lembramos mas que importam e com uma carência absoluta de respostas e um desassossego indizível e impossível de satisfazer. As respostas mais simples explicam-nos como se constitui e forma o universo, as mais complexas fazem-nos corrigir um desenho ou lamentar um comentário ou sentir-nos aquecidos por dentro ou sorrir apesar do nevoeiro interior. A expressão é a dualidade incarnada da resposta e da pergunta, é a vida a falar com a vida, somos nós apesar de nós próprios. A história da nossa expressão é a história dos humanos, um de cada vez.
Assinemos o mundo.

in Revista F, www.helloforma.com

the flood

Science is the sum total of a great multitude of mysteries. It is an unending argument between a great multitude of voices. It resembles Wikipedia much more than it resembles the Encyclopaedia Britannica.
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The evolution of life is a part of the evolution of the universe, which also evolves with increasing amounts of information embodied in ordered structures, galaxies and stars and planetary systems. In the living and in the nonliving world, we see a growth of order, starting from the featureless and uniform gas of the early universe and producing the magnificent diversity of weird objects that we see in the sky and in the rain forest. Everywhere around us, wherever we look, we see evidence of increasing order and increasing information.
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The immense size of modern databases gives us a feeling of meaninglessness. Information in such quantities reminds us of Borges’s library extending infinitely in all directions. It is our task as humans to bring meaning back into this wasteland. As finite creatures who think and feel, we can create islands of meaning in the sea of information.
 
Freeman Dyson